II LAWCN 2019

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Provando matematicamente a falência do ensino / aprendizado da matemática no WhatsApp

Hoje participei de uma discussão no Whatsapp que, no final das contas, provou-me que estamos falidos em termos de ensino / aprendizado de matemática.

Antes de eu entrar no mérito da discussão em si, quero deixar claro o meu entendimento de que nessa falência está o aluno envolvido até o pescoço, por mais que eu reconheça as diversas deficiências dos sistemas público e privado de ensino e de todos os seus respectivos agentes, minha classe de professor incluída.


Pois bem, eis o que se deu. Apresentou-se a seguinte imagem (em espanhol mesmo), seguida da pergunta “Quem consegue resolver?”:


Bom, eu quis começar a responder que esse é um problema que não se resolve com matemática, talvez só com poesia, afinal de contas 2 = 6 é falso; 2 = 2 dentro do universo da matemática convencional.


De qualquer maneira, a gente faz um exercício de boa vontade para depreender que o inventor da “charada”, quis escrever, na verdade:


Ou seja, a brincadeira é descobrir a regra (representada pelo símbolo de função ou f(x)) que relaciona os números da esquerda aos da direita para, então, poder-se calcular o resultado (aplicando-se a mesma regra) para o número 9.

Adianto que a falência ainda não é o uso inadequado ou omisso dos símbolos matemáticos. Vamos seguir explicando.


Bom, eu e alguns outros do nosso grupo do WhatsApp respondemos matematicamente, chamando o número da esquerda de “x” e o multiplicando por x + 1. Essa regra satisfaz todos os exemplos dados. Vejam: 


Outra regra, a de somar o quadrado do número com ele mesmo, é, na verdade, a mesma regra, pois:


Portanto, naturalmente, a resposta para 9, seria 90, afinal:


Correto? Segundo o autor da mensagem, não, o resultado correspondente a 9 seria 72. Já vi que a discussão ia degringolar...


Após explicações sofríveis, consegui depreender que o raciocínio usado era o de multiplicar o número da esquerda pelo número da linha que ele aparecia mais 2. Ou seja:



Assim sendo, o resultado para o número 9, que aparece na linha 6, seria:



Ou, explicando de outra maneira, multiplicam-se os números da esquerda por uma seqüência iniciada em 3: 2 . 3 = 6 / 3 . 4 = 12 / 4 . 5 = 20 / 5 . 6 = 30 / 6 . 7 = 42 / 9 . 8 = 72 .


Essa é uma resposta válida? Em minha opinião, ela é tão válida quanto 4327,8, ou pi, ou qualquer outro valor. A razão é que não há, no porco enunciado, elementos suficientes para depreender que é esta a regra. Caso o resultado para o número 9 (ou seja, 72) fosse apresentado de antemão, aí sim haveria elementos para então se perguntar de um próximo número qualquer. Sem isso, não há como depreender que a regra dos números consecutivos é válida.

Mas ainda aí não está a evidência de qualquer falência educacional. Poder-se-ia tratar somente de uma brincadeira sem graça, mal formulada, de Internet.

O problema vem quando as pessoas levam o resultado 72 a sério, afirmando convictamente que está é a lógica correta e, por conseguinte, que a eles se deve o título de gênio, como colocado no enunciado (“apenas para os gênios”). Entenda: muitos que acharam 72 realmente acreditam na sua lógica superior, sua capacidade de enxergar “além do quadrado”. Quase ninguém percebe que o problema é “ill posed” ou mal posto, preferindo as explicações tão mirabolantes quanto vazias dos gurus “internáuticos” de plantão, aqueles mesmo que gerenciam bem sucedidos websites voltados para concurseiros.

Ou seja, aqui mais valeu a malandragem que se aprende por postagens de facebook e zazap (o que o meu não-tão-velho-assim pai chama de cultura de almanaque) do que a velha (essa sim muito velha) e boa matemática, aquela mesma que constrói prédios, leva dispositivos humanos para as fronteiras do sistema solar e que inventou a Internet para se postar essas bobagens.

O segundo elemento da minha enorme preocupação surgiu quando, ao apresentar esse raciocínio, vi-me conversando com as paredes, encontrando eco apenas entre aqueles que tinham treinamento matemático de nível universitário, ainda que se trate da mais elementar aritmética de primeiro grau. Quase ninguém compreendeu este básico raciocínio.

Assim, se é para jogar essa tal matemática no lixo, permitam-me aqui provar que 2 = 1:


Ou seja, quem me deve mil reais, me deve na verdade dois mil reais.

O que me preocupa é que poucos sabem apontar o erro.

Podem me chamar de rancoroso e dinossauro, mas sou mais a velha e sólida formação matemática do que estes atalhos intelectuais distribuídos homeopaticamente na Internet que não levam a lugar algum.